segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A invisibilidade dos trabalhadores braçais


Ontem o Fantástico exibiu uma matéria sobre a "invisibilidade" dos varredores de rua (garis).

Camila Pitanga vestiu-se de gari e foi varrer as ruas do Rio de Janeiro e - incrível - só foi reconhecida depois que as pessoas perceberam as câmeras da TV Globo. Esse será o papel de Camila na próxima novela das oito (nove?): uma auxiliar de limpeza.


Já tinha lido uma reportagem sobre esse assunto. Um psicólogo vestiu-se de gari uma vez por semana durante 4 anos e não foi reconhecido pelos próprios colegas, na USP. Pessoas que o conheciam e o chamavam pelo nome passaram por ele sem o "enxergar" durante todo esse tempo!


Segue a reportagem:


"O psicólogo social Fernando Braga da Costa vestiu uniforme e trabalhou oito anos como gari, varrendo ruas da Universidade de São Paulo. Ali,constatou que, ao olhar da maioria, os trabalhadores braçais são `seres invisíveis, sem nome`. Em sua tese de mestrado, pela USP, conseguiu comprovar a existência da `invisibilidade pública`, ou seja, uma percepção humana totalmente prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho, onde enxerga-se somente a função e não a pessoa. Braga trabalhava apenas meio período como gari, não recebia o salário de R$ 400 como os colegas de vassoura, mas garante que teve a maior lição de sua vida:`Descobri que um simples bom dia, que nunca recebi como gari, pode significar um sopro de vida, um sinal da própria existência`, explica o pesquisador.O psicólogo sentiu na pele o que é ser tratado como um objeto e não como um ser humano. `Professores que me abraçavam nos corredores da USP passavam por mim, não me reconheciam por causa do uniforme. Às vezes, esbarravam no meu ombro e, sem ao menos pedir desculpas, seguiam me ignorando, como se tivessem encostado em um poste, ou em um orelhão`,diz. No primeiro dia de trabalho paramos pro café. Eles colocaram uma garrafa térmica sobre uma plataforma de concreto. Só que não tinha caneca. Havia um clima estranho no ar, eu era um sujeito vindo de outra classe, varrendo rua com eles. Os garis mal conversavam comigo, alguns se aproximavam para ensinar o serviço. Um deles foi até o latão de lixo pegou duas latinhas de refrigerante cortou as latinhas pela metade e serviu o café ali, na latinha suja e grudenta. E como a gente estava num grupo grande, esperei que eles se servissem primeiro. Eu nunca apreciei o sabor do café. Mas, intuitivamente, senti que deveria tomá-lo, e claro, não livre de sensações ruins. Afinal, o cara tirou as latinhas de refrigerante de dentro de uma lixeira, que tem sujeira, tem formiga, tem barata, tem de tudo. No momento em que empunhei a caneca improvisada, parece que todo mundo parou para assistir à cena, como se perguntasse:`E aí, o jovem rico vai se sujeitar a beber nessa caneca?` E eu bebi. Imediatamente a ansiedade parece que evaporou. Eles passaram a conversar comigo, a contar piada, brincar. O que você sentiu na pele, trabalhando como gari?Uma vez, um dos garis me convidou pra almoçar no bandejão central. Aí eu entrei no Instituto de Psicologia para pegar dinheiro, passei pelo andar térreo, subi escada, passei pelo segundo andar, passei na biblioteca, desci a escada, passei em frente ao centro acadêmico, passei em frente a lanchonete, tinha muita gente conhecida. Eu fiz todo esse trajeto e ninguém em absoluto me viu. Eu tive uma sensação muito ruim. O meu corpo tremia como se eu não o dominasse, uma angústia, e a tampa da cabeça era como se ardesse, como se eu tivesse sido sugado. Fui almoçar, não senti o gosto da comida e voltei para o trabalho atordoado. E depois de oito anos trabalhando como gari? Isso mudou ? Fui me habituando a isso, assim como eles vão se habituando também a situações pouco saudáveis. Então, quando eu via um professor se aproximando - professor meu - até parava de varrer, porque ele ia passar por mim, podia trocar uma idéia, mas o pessoal passava como se tivesse passando por um poste, uma árvore, um orelhão.E quando você volta para casa, para seu mundo real? Eu choro. É muito triste, porque, a partir do instante em que você está inserido nessa condição psicossocial, não se esquece jamais. Acredito que essa experiência me deixou curado da minha doença burguesa. Esses homens hoje são meus amigos. Conheço a família deles, freqüento a casa deles nas periferias. Mudei. Nunca deixo de cumprimentar um trabalhador. Faço questão de o trabalhador saber que eu sei que ele existe. Eles são tratados pior do que um animal doméstico, que sempre é chamado pelo nome. São tratados como se fossem uma `COISA`.

*Ser IGNORADO é uma das piores sensações que existem."


E na semana passada o Fábio, na Faculdade, ao ver uma uma senhora que estava lavando o corredor próximo ao banheiro masculino, perguntou-lhe por onde poderia passar sem atrapalhá-la, ao que ela respondeu: "Imagina, filho, pode passar!". Ao sair do banheiro, viu que a senhora o aguardava... E ela então lhe agradeceu pela consideração que ele teve por ela... Disse que muita gente a ignora, como se ela não existisse.


No final do ano passado, dias antes do Natal, tive uma experiência interessante também. Uma mulher estava num semáforo em Santo André, vendendo doces. Quando ela chegou perto de mim, agradeci, dizendo que já tinha muita bala no carro e disse-lhe apenas: "Feliz Natal pra vc". A mulher abriu um sorriso enorme, e, bem emocionada, retrucou: "Pra você também, moça! E que Deus te acompanhe!". Aquilo me emocionou pra caramba, e pude ver o quanto é importante você enxergar alguém, sorrir pra alguém! Às vezes vale mais do que o dinheiro que vc dá por pura compaixão...

E vejo muita gente também que ignora totalmente a pessoa que está pedindo... Fecham os vidros, olham feio, ou mesmo nem respondem... Isso deve ser horrível!


Termino com uma frase de Dalai Lama:

"Quando a sua ajuda aos semelhantes é fruto de motivação e preocupação sinceras, isso lhe traz sorte, amigos,a legrias e sucesso. Se você desrespeita os direitos dos outros e se descuida do bem-estar alheio, acabará imensamente solitário."


Pense nisso!

Boa semana!

Cibele

3 comentários:

Érica Lenita Blog´s disse...

Puts, Ci... nem sei o que dizer. Devo ter feito isso um milhão de vezes...

Lilian disse...

Eu já conhecia este estudo e comecei realmente a observar... E tenho me preocupado bastante para saber o nome e cumprimentar sempre ao menos aqueles trabalhadores que estão sempre a nossa volta nos escritórios, como as faxineiras e jardineiros... Acho que é o mínimo que podemos fazer, afinal, se temos uma vida mais limpa e agradável aos olhos é graças ao trabalho diário deles...

Bjinho,
Li

Danuza Tigreza disse...

Quanta hipocrisiiiiiiia!!Tem que ser assim com qualquer um e nao só com aqueles que são "coitadinhos socialmente". Ai credo.

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